domingo, 10 de agosto de 2014

Palavra Mágica



                                 Palavra Mágica

É delicado falar ou até mesmo opinar sobre determinados assuntos. Uma amiga me pediu ajuda para o começo de uma carta que iria escrever para seu ex-marido.  Estava verdadeiramente angustiada, porque não sabia como iniciar o diálogo, as primeiras palavras que diriam a ele o diagnóstico de câncer de mama. 

Queria que ele soubesse para que juntos encontrassem uma forma de contar para os dois filhos com o menor impacto possível. Ela me disse que já tinha começado a escrita pelo menos umas dez vezes e as palavras não saiam da cabeça para o papel. Era um redemoinho emocional e uma quantidade excessiva de pensamentos que estavam deixando-a paralisada. 

Alguém poderia perguntar: mas por que ela não liga e marca um encontro com ele? Ou por que não passa um e-mail? Ou outras formas. 

Sabe por que ela não fez isto? 

Porque é do jeito dela. Foi o jeito que encontrou para falar de algo tão íntimo e dolorido. Talvez escrevendo, parte da angústia ou do medo possa ser amenizada. Talvez queira dizer muito mais do que tenha pensado. Talvez queira esvaziar as gavetas de mágoas que tenha guardado...

A situação pode ser a mesma, mas cada um tem um jeito peculiar de experienciar e significar o que está sendo vivido. Conheço algumas pessoas que escrevem cartas imensas falando de suas dores e as guarda numa cômoda qualquer. Outras, desenham ou pintam, escrevem poemas, músicas, contos e até livros.

Eu sabia que ela gostava de escrever. A escrita era um dado de Semiose. Um canal de expressão usual para ela, mas neste momento, não estava funcionando. E por quê? Acredito que o emocional potencializado estava bloqueado-a. Isto de fato pode ocorrer. 

Neste caso específico, minha amiga não queria outro dado de Semiose. Ela não queria ligar ou passar um e-mail. Queria muito encontrar as palavras para expressar a essência do que estava vivendo. Na verdade ela queria um começo. Como se existisse uma palavra mágica que contagiasse as demais, e assim pipocando sobre o papel ganhassem asas e voariam para bem longe com sua dor. 

Você já passou por alguma situação assim?

Querer falar ou escrever e não encontrar palavras, não saber por onde começar? Eu passei por uma experiência recente, logicamente nem comparada com a de minha amiga. Quando tive que fazer a introdução de um Livro também me deparei com este obstáculo. Uma mente tão cheia e, no entanto parecia vazia, simplesmente porque não encontrava uma palavra encantada para deslizar sobre o papel. Tentei começar o texto muitas vezes, e a mim parecia que tinha um paredão quase intransponível.

Eis o que escrevi...
“Por onde começar? O que dizer? Num momento assim parece difícil dar vida às palavras para que elas possam, por si só, seduzir num breve instante o que vamos conhecer ao longo da caminhada. A mente olha para os espaços em busca de letras para a contextura das ideias que darão sentido ao vivido.

 É difícil começar, mas começo é começo ou pode ser um meio, porque às vezes o começo já está em andamento ou já foi... Começar pelo fim? O fim também pode ser um começo... Pode não ter um começo e nem um fim. Um meio pode conter os aspectos determinantes ou importantes do que foi percorrido, de um fim concluído. 

Independente de alguma demarcação temporal, a vida segue construindo a história, tecendo as singularidades do que foi e está sendo vivido. Isto já é um começo? Então já começamos, agora parece que fica mais fácil. As palavras avulsas vão se entrelaçar, dando textura, cor, sonoridade, até mesmo sabor, possíveis e impossíveis, ao texto que vai se desdobrar em inúmeros caminhos”.

Depois de reler a introdução, enviei a ela o texto com a seguinte mensagem:

Querida, não importa que as palavras não façam sentido neste momento. Deixe-as soltas para que possam por si só construir um significado plausível. Eu penso que a vida que vocês compartilharam basta para ele saber que você tem algo importante a dizer. 

Como disse Rubem Alves “O poder das palavras não está nelas mesmas. Está no jeito como as lemos”. E, também acredito que existem momentos em que as palavras inviabilizam a comunicação. Deixe sua alma ditar os acontecimentos, ela saberá decodificar e traduzir a sua dor. 

Se eu estivesse no teu lugar, começaria pelo fim desta história... O que estará no fim? A vida em construção contínua... Uma esplêndida manhã ensolarada, depois de uma noite tempestuosa...
Esta é a breve história da minha amiga, que não é simplesmente como começar uma carta, mas como começar ou continuar a vida depois de um diagnóstico assustador. 

Eu aprendi que a vida começa todos os dias. Vou escrevendo minha história conforme as situações se apresentam a mim. Nem sempre tenho consciência do primeiro pensamento, da primeira palavra, o gesto, a ação, mas tudo isso faz parte de um começo, meio e fim.  

Qualquer que seja a situação poderá ser um desafio e dependerá de você a iniciativa para começar. Como eu falei à minha amiga, podemos começar pelo fim para construir nossa história de vida... Para mim, quando consigo vislumbrar o final, faz sentido. Além do mais, o objetivo ganha força para o começo e o meio de qualquer jornada.

E você? 
Por onde começa?

Eu me Importo com você!


A Palavra Mágica 

Certa palavra dorme na sombra 
de um livro raro. 
Como desencantá-la? 
É a senha da vida 
a senha do mundo. 
Vou procurá-la. 

Vou procurá-la a vida inteira 
no mundo todo. 
Se tarda o encontro, se não a encontro, 
não desanimo, 
procuro sempre. 

Procuro sempre, e minha procura 
ficará sendo 
minha palavra. 
(Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera')

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